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25 fevereiro 2022

'Sudoeste Alentejano - Materiais de construção tradicionais'_António Martins Quaresma

Excerto do texto 'Sudoeste Alentejano - Materiais de construção tradicionais' de António Martins Quaresma
Ficha técnica
Autor: António Martins Quaresma
Título: Sudoeste Alentejano: materiais de construção tradicionais
Data: texto inicial – 2003; texto final – 2014
Local: Vila Nova de Milfontes 
'Este texto faz uma breve incursão histórica na arquitectura vernácula regional, embora apenas no estrito plano dos materiais utilizados na construção. Ele parte de uma comunicação apresentada, em 2003, em Sines, num seminário sobre “arquitectura em terra”1, agora refeita e acrescentada com novas fotografias. Para o efeito, utilizaram-se algumas fontes históricas escritas e observação decampo de velhas casas, a maioria em ruína. Terra, pedra, madeira, cortiça, junco, cana aparecem-nos como materiais utilizados na construção de habitações, celeiros, currais, fornos, moinhos, etc., confeccionadas decerto através das competências genéricas da própria população utente, ou por especialistas, como pedreiros/alvanéus e carpinteiros.
Da terra e da pedra
Em 1758, o pároco de Vila Nova de Milfontes escrevia sobre as consequências do terramoto de 1755: “foi Deus servido ficassem ilesas as casas desta vila, sem que alguma delas padecesse ruína considerável, sendo, como são, quase todas fabricadas de terra a que chamam taipa”.2
Quase todas as casas da vila eram, portanto, de taipa; tratava-se, naturalmente, de pequenos edifícios, em que os movimentos da terra não tiveram repercussão de grande amplitude. Os estragos mais severos verificaram-se nos edifícios maiores, construídos em alvenaria de pedra e cal. Curioso, mas natural, o efeito do maremoto nas casas junto ao rio: de taipa, decerto, delas “apenas ficou sinal onde tinham sido edificadas”.3
Vale da Casca, São Luís, Odemira (no original, “Carrego da Casca, Odemira”, Casa de taipa, com curiosos efeitos decorativos, e seu forno. Foto in Arquitectura Popular em Portugal, vol. 2, Lisboa, Ordem dos Arquitectos, 2004, p. 296 (1.ª ed. 1961).

O uso da cal era escasso. Perto, em Aljezur, no princípio do século XIX, um viajante estranhava a cor escura das casas, muitas delas de pedra (decerto xisto), sem argamassa, visto que a cal era ali um artigo raro. A impressão tornava-se mais forte porque o viajante estava a sair do Algarve, onde as casas eram, normalmente, caiadas.4
Um último exemplo da dificuldade em obter esse produto. Em 1687, uma carreta foi de Alvalade buscar uma carrada de cal a Milfontes: a cal custou cinco tostões, quantia que naturalmente incluía o frete marítimo; o transporte até Alvalade ficou em 12 tostões. Total: 17 tostões (1.700 réis). Mais caro o transporte que o produto!5
Em meados do século XIX, as casas de Sines, cujo número de térreas orçava o de altas, eram todas caiadas e quase todas de pedra e cal.No entanto, um dos arrabaldes, do lado leste, a Aldeia dos Cucos, de feição mais popular, era composto quase todo de “casinholas de taipa”.7
Forninhos, Vila Nova de Milfontes, Odemira. Restos de moinho de vento, de grossas
paredes de taipa. Foto AMQ (2014).

No território do actual concelho de Odemira, a taipa era largamente dominante em muitas áreas, não só nas pequenas moradias, mas até em edifícios de maior importância. É interessante a menção à taipa em igrejas como a de Colos, vila que viu a sua matriz reedificada em tempo de D. Manuel. Conforme visitação da Ordem de Santiago, datada de 1554, a capela-mor era de alvenaria, coberta de abóbada, de lavor manuelino (hoje inexistente). A nave possuía paredes de alvenaria até metade da sua altura (portanto, não apenas nos caboucos) e, do meio para cima, “de taipa, com seu formigão de fora”.Três arcos de tijolo, intercalados, reforçavam-na.9
A utilização simultânea de alvenaria de pedra e de taipa na mesma parede é uma técnica que permaneceu até hoje, sendo que a alvenaria era utilizada na parte inferior, com maior desempenho estrutural, decerto por ser considerada mais resistente a cargas e menos susceptível de ser afectada pela erosão da água da chuva que corria no exterior e pela humidade ascendente. O “seu formigão de fora” parece significar que a taipa era revestida exteriormente com formigão. Parece clara a consciência das limitações da taipa quando se tratava de pedir às paredes maior resistência, como no caso das coberturas em abóbada. Cedo também se verifica a utilização de “taipas”, cercando adros e protegendo as paredes das igrejas da invasão das águas das chuvas, como na igreja do Cercal, em 1565.10 
E, nos arredores das povoações e em zonas onde surgia a repartição da propriedade, caracterizada pela policultura e tratamento intensivo da terra, a prática de cercar essas pequenas parcelas divulgou-se sobremaneira. Tratava-se de proteger, da acção de animais e de pessoas, as valiosas culturas (vinhas, hortícolas, olivais) existentes nessas parcelas, para o efeito “vedadas e coimeiras”. Em Colos, por exemplo, as próprias posturas municipais contemplavam a questão do “tapejo” de vinhas, hortas e, até, ferragiais.11 
Relíquias, Odemira. Casa de alvenaria de pedra e de taipa. Foto: Ordem dos Arquitectos, PT￾OA-IARP-BJA-ODM02-003, (1955).

Estas taipas, de que ainda existem vestígios, marcavam a paisagem. Sobre cabouco de pedra, erguiam-se a cerca de um metro de altura. Muitas vezes, eram “bardadas”, isto é, encimadas por uma camada de mato, coberto de terra batida em ângulo; pranchas de cortiça substituíam por vezes o mato. Mato ou cortiça sobressaíam alguns centímetros para cada lado do muro, melhorando a protecção e dificultando a transposição por pessoas ou animais.12 Os viajantes estrangeiros reparavam nesses muros cobertos de cortiça e faziam-lhes menção nos seus livros de viagens.13
Parecem ter dado origem a certos topónimos com o elemento “taipa” (Vale das Taipas, por exemplo). Naturalmente, a construção de casas e, onde os havia, de muros para cercas exigia extracção de terra. Quando esta se fazia em grande quantidade, os homens do governo municipal eram obrigados a regulamentar: em Colos, em 1709, uma postura proibia a extracção indiscriminada de terra em volta da vila e reservava um local para o efeito; a respectiva coima era a dobrar quando o infractor fosse pedreiro ou servente.14 
A terra aplicou-se igualmente noutros tipos de construções, como os moinhos de vento, de que é exemplo o moinho dos Forninhos, em Milfontes (séc. XX), embora a utilização da alvenaria de pedra fosse nestes edifícios mais empregada. A grande resistência exigida à estrutura tornava preferencial a construções em pedra, mas a opção também dependia da zona, uma vez que os moinhos de taipa parecem ser mais frequentes naquelas em que a taipa era mais usual na construção.
Monte da Comuna, Fornalhas, Vale de Santiago, Odemira. Restos de parede de taipa de um
edifício “histórico”. Foto AMQ (2014)

Já no século XX, verificamos que, em vários lugares do concelho de Odemira, por exemplo, a taipa foi sobretudo utilizada em construções térreas, mas o seu uso também em edifícios de dois pisos não deixou de se verificar, como podemos ver em Relíquias e São Teotónio, por exemplo.15
É preciso realçar que o uso da pedra, associada ou não à taipa, é também muito comum. Em algumas áreas deste concelho, era frequente a construção rural em alvenaria de pedra, sem reboco. Na zona serrana do concelho de Odemira, como na freguesia de São Martinho, a construção em pedra sobrelevava, mesmo, a taipa. Recintos para guarda de animais, em pedra, também eram correntes. Era utilizado sobretudo o xisto (de vários tipos e durezas), mas também o quartzo, o quartzito, o grauvaque e o arenito, conforme as áreas de distribuição destas rochas.(...)'
Monte em Luzianes, Odemira. Pedra e terra. Foto AMQ (2010).

1. Organizado pela Ordem dos Arquitectos, Secção Regional do Sul, Núcleo do Litoral Alentejano.
2. António Martins QUARESMA, Odemira Histórica. Estudos e Documentos. Odemira, Câmara Municipal, 2006, p. 302. Grafia actualizada, como nas transcrições seguintes.
3. Ibidem.
4. George LANDMANN, Historical, military and Picturesque Observations on Portugal, II volume (Military and Picturesque Observations on Portugal), London, T. Cadell and W. Davies, Strand, 1818, p. 141.
5. Quinzenário Nossa Terra (editado em Santiago do Cacém), n.º 26, 3 de Julho de 1932 (agradeço a referência a João Madeira).
6. Na altura, segundo a mesma fonte, havia nesta vila três fornos de cal.
7. Francisco Luiz LOPES, Breve Noticia de Sines, Patria de Vasco da Gama, Lisboa, Na Typographia Panorama, 1850 (ed. fac-similada da Câmara Municipal de Sines, 1985), pp. 34, 35, 38 e 51.
8. No formigão juntavam-se cal, em alta proporção, e terra (ou areia), eventualmente gravilha, sendo o composto utilizado de forma semelhante à taipa, em cofragem de madeira (taipais). Obtinha-se assim um cimento de grande resistência e durabilidade.
9. ANTT, Mesa da Consciência e Ordens, Ordem de Santiago, Visitações, n.º 197, fls. 16 e 16v.
10. ANTT, Mesa da Consciência e Ordens, Ordem de Santiago, Visitações, n.º 212, fl. 15.
11. AHMO, Colos, Posturas, 1691-1732, GB 2/1, passim.
12. António Machado GUERREIRO, Colos – Alentejo – Elementos Monográficos, Odemira, Câmara Municipal de Odemira, 1987, pp. 67 e 94.
13. Lívio Costa GUEDES, A Viagem de Christian, Príncipe de Waldeck, ao Alentejo e ao Algarve descrita pelo Barão von Wiederhold 1798, Lisboa, 1992 (separata do 60.º vol. do Arquivo Histórico Militar), p. 171.
14. AHMO, Posturas, 1691-1732, GB 2/ 1, fs 29 e 30.
15. Cfr. fotos existentes no arquivo fotográfico da Ordem dos Arquitectos. Em linha: http://www.oapix.org.pt/400000/1/index.htm.

23 fevereiro 2022

Graça Jalles_Artigo_Jornal Sudoeste_Rui Graça

Artigo publicado pelo Arq. Rui Graça no jornal Sudoeste - quinta, 20/05/2021
Graça Jalles
'Conheci a Graça Jalles há cerca de 20 anos, tinha saído de Macau onde exerceu uma boa parte do seu percurso profissional. Estava a entrar ao serviço no Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina.
Se a Graça entrou no referido Parque Natural por questões de princípio, consta que foi também por questões de princípio que abandonou a respectiva instituição.
A Graça tinha adquirido uma propriedade perto duma margem do rio Mira e acabou por se dedicar ao desenvolvimento do seu fabuloso terreno, transportando para esse projecto todos os seus princípios e convicções ambientais.
A construção em taipa acabou por ser a opção mais natural! Num primeiro momento com a construção da habitação própria, uma obra de raiz, e num segundo momento pela recuperação de três construções muito antigas para uso turístico.
Rui Graça - Se a construção em taipa é extremamente versátil e personalizável, a tua casa acaba por ser um excelente exemplo disso mesmo, pela integração de um jardim de inverno, pela forma original das janelas, ou pelo volume solto em pedra no centro da construção. A casa integra uma influência oriental, como um reflexo da tua própria personalidade. Quais os princípios que pautaram a adaptação da arquitectura alentejana tradicional à tua vida?
Graça Jalles - A Casa foi concebida em primeiro lugar de forma a respeitar os valores tradicionais da arquitectura alentejana quer nos materiais quer na "forma". Apesar de não gostar de me referir a forma na Arquitectura ela é bem definida nessa arquitectura. Casas em terra que se desenvolvem sobre o comprido, de planta rectangular e cércea baixa. Situadas geralmente a meia encosta e com inúmeras divisões com portas para o exterior e que por vezes não se interligam no interior. Nas traseiras situa-se geralmente a arramada de cércea ainda mais baixa e cuja cobertura surge na continuação da cobertura da Casa principal originando uma curvatura muito subtil no todo da cobertura que relembra um pouco as coberturas das Casas que me habituei a ver no Oriente mas que neste caso é profundamente alentejano. É de uma beleza extraordinária e de uma harmonia perfeita com a natureza onde as curvas proliferam e o resultado final tão integrado na paisagem é ele próprio fruto da sabedoria do tempo que lhe moldou a "forma".
Estes valores tiveram de entrar em diálogo com o meu "eu" contemporâneo porque era a Casa onde ia viver. O Jardim de Inverno surgiu por ser uma ideia antiga e me poder proporcionar o que vivenciei algumas vezes no Oriente, particularmente nas Casa Tailandesas, em que o interior e o exterior da Casas se interligam harmoniosamente não se percebendo onde começa um e acaba o outro. Na distribuição do espaço interior procurei isso mesmo. Não existem portas e o espaço flui de umas divisões para as outras tirando partido também do desnível do terreno.
A fonte de calor que este Jardim de Inverno iria provocar dentro da Casa particularmente nos meses de Verão também não seria problema para mim e até uma necessidade. Em Macau nos meses mais quentes a humidade poderia ir até quase aos 100% com temperaturas acima dos 30º. Adaptei-me bem a este clima e precisava dele aqui.
Colocava-se a questão de passar a haver uma contradição em termos energéticos e esta fonte de calor tirar a eficácia, particularmente no Verão, da construção em taipa que se pauta por ambientes frescos dentro de Casa quando lá fora o calor aperta e uma humidade saudável e constante dentro da mesma. Era um risco que eu estava disposta a correr e cujo resultado iria assumir.
Quis também recriar na íntegra os muros antigos de xisto existentes nas construções tradicionais utilizando-os quer nas paredes exteriores quer transportando-os para o interior tentando assim obter a tal harmonia entre o interior e o exterior da Casa acima referida.
A forma original das janelas surgiu naturalmente por se situarem lado a lado do local da parede onde estava prevista uma lareira ou chupão alentejano, o qual acabou por não ser construído por falta de verbas. Também eram sinal de alguma irreverência. Hoje penso que já não construirei o chupão assumindo-o mais como um erro de projecto mas fico-me com a irreverência não deixando tal como está de fazer jus à tal linearidade e simplicidade das fachadas dos Montes Alentejanos.
Por último e não me querendo alongar nem fugir à tua questão é importante referir o seguinte. O Projecto desta Casa foi concebido no princípio do milénio numa altura muito dolorosa da minha vida e de integração num ambiente completamente novo já que tinha transitado directamente de Macau, onde vivi 10 anos e de onde saí em 1998, para Odemira mais precisamente para os Troviscais, por opção pessoal e pela natureza. Para além do processo de integração num País que eu já não conhecia e numa realidade habitacional nova na minha vida, já que sou originariamente de Lisboa, o ambiente era hostil com excepção da comunidade local autóctone mais velha a qual actualmente já quase toda partiu e que com quem partilhava os mesmos valores de vida.
Acredito que nas opções de concepção desta casa apenas uma pequena parte corresponda a uma consciência racional e egoísta no bom sentido do termo, daquilo a que me propus.
O ato criativo é sempre doloroso mas também nos abre ao sobrenatural e a respostas que vão para além de nós mesmos e por outro lado nos põe em contacto com o nosso eu mais profundo. Portanto a angústia vivida na altura, porque enfrentada e não mascarada, foi um ónus e um bónus no processo criativo desta casa. Talvez por isso ainda hoje ela me surpreenda e talvez por isso o ter sido nomeada num concurso público de obras arquitectónicas.
RG - É muito curioso que um projecto como o da tua casa, onde se destaca imediatamente a taipa, tenha recebido uma menção honrosa no concurso que referiste, precisamente, sobre a utilização da pedra na arquitectura. Que critérios usaste na relação da taipa com outros materiais.
GJ - Os muros de xisto surgiram, primeiro porque tinha muito xisto na propriedade, depois porque como referi acima queria recriar os muros antigos alentejanos em xisto com 50 ou 60cm de espessura, com pedras escolhidas e moladas pelo artesão e argamassas de cal e terra. Queria proporcionar a tal relação entre o exterior e o interior da Casa e a sua utilização também num espaço interior iria contribuir para essa integração. A Casa encontra-se bastante isolada mas o caminho público passa perto. Os muros de xisto funcionavam como paredes dum forte que permitiam até pela sua altura uma visibilidade de dentro para fora e não o contrário. Houve aliás a preocupação nesta fachada da Casa de quase não colocar vãos de portas ou janelas. A Taipa e o xisto têm uma simbiose forte e natural. Não era difícil utilizar ambos os materiais. As argamassas eram também de terra e cal. No fundo era recriar a natureza moldando-a diferentemente. Queria experimentar de tudo um pouco e por isso construí também as paredes interiores menos espessas em adobe feito por mim e por uma vizinha local, Bárbara, com molde construído por outro vizinho, Ti Brissos, ambos já falecidos.
RG - Quando descemos da tua casa para a várzea, que faz ligação ao rio Mira, entramos numa área onde se sente a natureza em estado puro, a proximidade ao rio e à água faz explodir a biodiversidade. Os cheiros, as cores e os sons fazem-nos sentir em espaço sagrado. Neste cenário encontramos três casinhas em taipa que aparecem como se sempre lá estivessem. Eu sei (cheguei a vê-las em ruínas numa vistoria camarária) que as casinhas foram alvo de uma reabilitação tua, sendo agora pequenas unidades turísticas. Podes explicar os critérios que utilizaste na reconstrução numa área tão sensível?
GJ - Sim as Casas apropriaram-se daquele espaço. Já estavam ali há alguns anos, construídas pelo antigo proprietário, Ti Gracindo. Estavam em ruínas e quando deixei o Parque Natural teria de ter uma fonte de subsistência e surgiu a ideia de as recuperar.
Comecei pela Casa da Adega onde o antigo proprietário fazia vinho. quatro anos depois recuperei a Casa do Tanque, uma antiga arrecadação e por último a Casa do Pomar um antigo abrigo de animais. As três constituem actualmente o Turismo Rural Casas da Cerca.
É um espaço místico e muito peculiar já que se situa num "corgo" em alentejano local ou córrego em bom português. É um espaço naturalmente confinado e donde se tem acesso ao Rio que fica logo ali, a 1,5km de distância.
Digamos que as Casas acompanharam o meu percurso evolutivo como pessoa durante estes 22 anos.
O objectivo foi sempre o de não deturpar os valores arquitectónicos das mesmas e acima de tudo preservar os valores de vida que representavam.
É preciso pensar que por detrás de reconstruções de casas em ruínas nesta zona estão histórias antigas de vidas vividas e sofridas. Não é fácil viver no Alentejo antes como agora. Não é por acaso que o Alentejano é orgulhoso. A solidão aperta e a fome também. Daí a nobreza de carácter de quem sobreviveu e que tantas vezes detectei na postura desta gente presente inevitavelmente na sua postura corporal e no seu olhar. As Casas, hoje ruínas, em que viveram reflectem isso mesmo. Numa recuperação terá de necessariamente de se ter respeito por esses valores e conferir-lhes dignidade enfatizando-os através da abordagem arquitectónica e ajeitando-lhe a "roupagem". Foram estes princípios que me guiaram na reconstrução das Casas tendo em mente o seu uso final de Turismo Rural e um respeito pela natureza presente também nos materiais utilizados.
Todas as Casas tinham a sua própria identidade. A Casa da Adega, a primeira logo à entrada com 2 pisos impunha-se por si só. A Casa do Tanque na outra ponta em cima de um pedestal e apesar da sua pequenez e pela sua pequenez também brilhava. A Casa do Pomar situada no meio destas duas foi a mais difícil de conceber no processo de reconstrução. Era preciso que não tirasse identidade nem força às outras uma vez que estava muito próxima das mesmas, mas que se afirmasse de outra forma, digamos que teria de ser mais discreta. Assim optei por reconstruí-la com uma cércea ligeiramente mais baixa que a Casa do Tanque localizada imediatamente a seguir, e optei também por não abrir vãos de janela nas paredes exteriores. Abri antes na cobertura. Depois a natureza encarregar-se-ia de a revestir exteriormente de vegetação. Seria uma Casa/Abrigo. Das três Casas esta é a mais profunda e a que se identifica mais com o local onde está situada. Remete-nos para o transcendente onde a entrada de luz na cobertura é um pequeno sinal e obriga-nos a ficar no escuro, sem distracções do exterior, onde só o essencial luze. É quanto a mim também a que consegue mais empatia com o modo de vida dos alentejanos de uma geração que começou já a desaparecer mas cujo legado é necessário e imperativo preservar.
Conclusão:
Muitos leitores provavelmente não sabem mas até 1970 (fora as raras excepções das sedes de concelho), não havia qualquer condicionante ou imposição a quem quisesse construir, fosse como fosse! Esta realidade hoje em dia pode parecer-nos pura ficção quando, por exemplo, abrir uma pequena janela numa casa de banho num monte isolado exige um processo de licenciamento regularmente com dezenas e dezenas de páginas…
Se a liberdade absoluta de construção nos pode parecer incrível e nos pode fazer especular sobre o que se faria hoje perante tal liberdade, a verdade é que os nossos antecessores deixaram-nos um Alentejo absolutamente preservado e lindo, ninguém o pode negar!
É um facto que as casas antigas da região, de uma forma generalizada, eram pobres e a grande maioria estava longe de se poder considerar habitação condigna nos padrões atuais, o que para muita gente responde à preservação da paisagem. No entanto, ao contrário do que acontecia antigamente, tempos de grande privação que a Graça Jalles bem retratou, hoje em dia a maioria das pessoas, que felizmente já tem tudo o que precisa, também tem quase tudo o que não precisa.
O drama hoje assenta na insustentabilidade do nosso estilo de vida, de tal maneira que até as crianças já nos chamam a atenção do flagelo ambiental em curso.
A vida era realmente mais dura antigamente no Alentejo, por isso mesmo, as casas antigas eram tão criteriosas: no local de implantação, predominantemente a meia encosta pela temperatura relativa mais favorável; na exposição que adoptavam, predominantemente a Nascente/Sul para protecção dos ventos dominantes e claro, nos materiais que eram quase exclusivamente locais porque os recursos (transporte e produção) eram muito escassos. O conhecimento dos terrenos, trabalhados de sol a sol, era profundo e era garantia da correta localização e proporção das casas que se construíam…
Em profundo contraste com a abordagem que reinou até aos anos 70, estamos a assistir a um fenómeno no nosso Alentejo que tende a alastrar como uma praga. Falo das casas de madeira, contentores, caravanas e afins, para mim as casas das três mentiras: 
1a Ecológicas - na maioria dos casos estas construções vão transformar-se em lixo. Mesmo as casas em madeira muito dificilmente resistiram muitos anos com as diferenças de humidade tão significativas do Alentejo (ao contrário do que se passa por exemplo na Tailândia onde a alta humidade relativa constante, que a Graça aprecia, as preserva) 
2a - Dispensam licenciamento - Eu diria mesmo que o seu licenciamento é mais difícil do que o de uma casa convencional porque, por norma não se enquadram nos Regulamentos Municipais que definem as normas construtivas de cada concelho (apenas o facto de se instalarem rapidamente faz com que só tarde sejam detectadas as irregularidades chegando normalmente os problemas aos donos só com o tempo)
3a - Permitem melhor contacto com a natureza - nem física nem visualmente. Muitas delas ficam literalmente a flutuar, assentes em pilarinhos ou vigas sobre um corte a direito no terreno e visualmente são objectos estranhos na paisagem, ainda mais estranhos na proximidade de outras casas porque são diametralmente opostas à cultura construtiva que nos caracteriza.
No momento em que escrevo estas linhas o país toma consciência do fenómeno migratório em curso pela necessidade de mão-de-obra, em grande quantidade e baixo custo, para as colheitas nas novas explorações agrícolas do Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina. A população nestas regiões vai seguramente subir aproximando-se dos níveis que se verificaram antes de 1970, antes dos êxodos para o estrangeiro e para as cidades. Seria assim tão absurdo aproximar também a construção às técnicas dessa época?'

Jornadas sobre construcción con la Técnica del Tapial_01 Novembro 2021

Jornadas sobre construcción con la Técnica del Tapial_01 Novembro 2021
Análisis interdisciplinar del Patrimonio Arquitectónico
Proyecto de innovación docente dirigido por las profesoras Concepción Cantillana Merchante y Margarita Infante Perea del Departamento de Ingeniería Gráfica en Universidad de Sevilla (España).
Esta experiencia docente tiene como propósito analisar los materiales compositivos y las técnicas de la Muralla Almohade de Sevilla.
El video de este evento está también disponible en Youtube aquí

22 fevereiro 2022

Workshop de Construção em Taipa_Aljezur_23-26 de Abril 2022

WORKSHOP de CONSTRUÇÃO EM TAIPA - Aljezur - Dias 23, 24, 25 e 26 de Abril 2022
Formação teórico-prática, inserida num contexto de intervenção pontual numa ruína em Aljezur, em pleno Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina (com alojamento na Pousada de Juventude da Arrifana).
Fique a saber mais sobre a construção em taipa, construindo e aprofundando entre taipais os conceitos de reconstrução e reabilitação destas estruturas.
Venha conhecer as ferramentas associadas a este material intemporal e uma tecnologia tradicional e ecológica!
Participe! 
Aqui pode aceder ao Programa e à Ficha de Inscrição.
Mais informação sobre esta formação em http://www.arqcoop.com/construcao-em-taipa/

Webinar_Future Now Pavilion - Webinar: Earth, Clay & Context

Future Now Pavilion - Webinar: Earth, Clay & Context_29th September 2021
Webinar jointly organized by Swissnex in Brazil and Insight Architecture. It is a discussion on the use of earth and clay in modern architecture, showing the shift from spectacular to vernacular architecture.
This debate is part of the complementary activities of the UIA2021RIO and intends to stress this discussion further, through the dialogue between prominent international architects, whose work is deeply connected with earthen architecture and biological materials.
Different civilizations in different parts of the world have been building with earth and clay for many centuries. Modern life and the current globalized world, though, have taken this material to a peripheral role in our cities. Its properties of climate and humidity regulation, its connection with the place where we build and its cultural traditions have been basically vanished through the appearance of other construction techniques and cheap energy in the 20th century. But this story seems to have an inflection point. The 27th World Congress of Architects UIA2021RIO brought strong voices advocating for a different kind of architecture – a shift from spectacular architecture to vernacular architecture.
Martin Rauch and Fernando Minto share their experience working primarily with earth and earth-based materials in such different contexts as Brazil and Europe.
Over the past 10 years, Martin Rauch has been intensively involved in the mechanical prefabrication of rammed earth building components. For this purpose, a worldwide unique process was developed to produce prefabricated rammed earth components in high homogeneous quality. This process has already been used in several large-scale projects on site and with local raw materials. The experience gained in these large-scale projects was integrated into the ERDEN factory workshop at the new production site in Schlins (Austria) by means of a production infrastructure customised for rammed earth construction. The ERDEN Werkhalle is a pioneering production facility for the industrial manufacture of rammed earth building elements.
The architecture and construction with earth in Brazil has been the object of increased interest. Gradually, research centers and private companies invest more resources for its repositioning in the current scenario compared to more conventional techniques. In this webinar, Fernando Minto will discuss the specificities of this modality in Brazil and the main characteristics that surround it in its territory, both in environmental and climatic aspects as well as in social aspects, including the current insertion in the construction market.
To explore these topics, Insight Architecture and Swissnex Brazil invited Martin Rauch (Austria), founder of Lehm Ton Erde Baukunst and Fernando Minto (Brazil), professor at the Federal University of Rio de Janeiro UFRJ to this webinar. They present their work and discuss the challenges and opportunities they see in earthen architecture for the future of our cities. Igor de Vetyemy, architect and president of the Brazilian Institute of Architects in Rio de Janeiro IAB moderates the conversation. The event was held in English and Portuguese, with simultaneous translation to both languages. The webinar was part of the Insight Architecture’s Future Now event, which investigates the use of sustainable materials and new construction techniques such as digital fabrication in architecture as part of the 27th World Congress of Architects UIA 2021 Rio calendar.

Participants
Martin Rauch was born in Schlins, Vorarlberg, Austria and graduated from the University of Applied Arts, Vienna. During three decades of research in theory and practice, Martin Rauch succeeded in updating traditional rammed earth techniques and integrating them into contemporary architecture, both in terms of design and technology. 1999 Foundation of the company Lehm Ton Erde Baukunst in Schlins; with this company he realized numerous international projects. He was awarded by the 2008 International Prize for Sustainable Architecture Fassa Bortolo Italy, 2008 Building Award of the Central Association of Austrian Architects, 2011 Holcim Award - Morocco and New European Bauhaus Prize 2021. 2003 to 2010 teaching at the Linz University of Art. International workshops in Bangladesh, South Africa and Austria in cooperation with BASEhabitat. Since 2010 honorary professor of the UNESCO chair Earthen architecture, building cultures and sustainable development. Since 2014 guest lecturer at the Swiss Federal Institute of Technology ETH Zurich.
Fernando Minto is an urbanist, architect and adjunct professor of the Department of Architecture and Urbanism FAU at the Federal University of Rio de Janeiro UFRJ. Minto obtains a master (FAU USP) and doctor (FAU UFRJ) in technology of architecture; he coordinates the architecture office Matéria Base in Rio de Janeiro and is an associate of Terrabrasil and of the Ibero-American network Proterra. He graduated from UNIMEP - UNESCO chair in earth construction in 1998, working with earth constructions since then. He was a founding member of ABCterra (1997), participated in the ABCTerra pavilions at the 3rd and 4th International Biennale of Architecture BIA in São Paulo and has worked on several projects with rammed earth.
Moderation: Igor de Vetyemy The Brazilian architect and professor Igor de Vetyemy is the general commissioner of the 27th World Congress of Architects UIA2021RIO and the current president of the Brazilian Institute of Architects IAB in Rio de Janeiro, ahead of a collective mandate called Oxigena IAB. Teacher and researcher in Universidade Veiga de Almeida, Universidade Estacio de Sá, and Istituto Europeo di Design, de Vetyemy works with earth architecture connecting students and indigene tribes in the state of Rio de Janeiro. He has been director of the Brazilian Institute of Architecture Education - ABEA. Author of Mutualistic Architecture, Compilation of projects reflections and buildings of Marcos Konder Netto, and Powers of ten – 100 exponents of Rio de Janeiro contemporary architecture, Igor de Vetyemy has also produced and directed the movie Konder – the magnificence of simplicity.
Click on the timecodes below to be redirected to their point in the recording: 
[0:00] Intro Event & Insight Architecture; 
[08:50] Intro Swissnex in Brazil; 
[10:10] Igor de Vetyemy - Moderator; 
[13:12] Martin Rauch; 
[39:31] Fernando Minto; 
[58:10] Q & A with the participants;
Watch the full livestream here

17 fevereiro 2022

Exemplo_Greenhouse Restaurant_China

Greenhouse Restaurant_Rammed earth wall
China
Architects: Chengdu Wide Horizon Investment Group
Area: 880 m²
Year: 2018
© Photos & plan: ARCH-EXIST, Jia Liu, Shi Chen, Chengdu Wide Horizon Investment Group

Glossário de Construção em Terra_Côvado

Côvado
Medida islâmica/medieval de carácter sagrado e módulo dimensional privilegiado de várias civilizações, correspondendo à distância anatómica do cotovelo à extremidade do dedo médio. 
Derivado do latim Cubitus, a sua medida varia conforme o sistema metrológico, sendo mais constantes as medidas próximas dos 0,525 m. Ainda hoje estão à vista nos castelos de Monsaraz e do Redondo os seus côvados que são respetivamente 0,555 m e 0,553 . 
Como unidade linear do sistema craveiro da tradição portuguesa subdivide-se em 2 pés ou em 3 palmos craveiros e equivale a cerca de 0,66 m (Reinado de Dom. Manuel).
A sua origem perde-se no tempo, sendo que todo o sistema de medidas muçulmano que chega à Península Ibérica se baseia precisamente no côvado. As medidas mais usuais neste período estão compreendidas, por um lado, entre 0,41m e 0,48m, por outro rondam os 0,51m.
Na metrologia hispano-árabe, no entanto, era frequente encontrar o côvado comum ou côvado mamuni com 0,47m, ou o côvado mediano identificado com o côvado rassasi de 0,572m. 
De modo específico, no sistema construtivo em taipa este designa também a peça estreita, em ferro ou de madeira, com a dimensão exacta da espessura da parede (sem os revestimentos), que se coloca no interior e topo superior entre taipais, com uma dupla função, de garantir que os mesmos permaneçam paralelos ao longo do apiloamento da terra no seu interior e, após a sua remoção, a de criar um orifício na alvenaria de taipa onde será introduzida a agulha que sustentará os taipais na fiada superior em fase seguinte da construção.
Outras Medidas Lineares ou de Comprimento
Vara - Aparece também referida nos castelos do Redondo e de Monsaraz junto ao côvado com a medida de 1,10 m, valendo portanto 2 côvados exactos.
Braça - Apresentava a medida de 2,20m, ou seja 4 côvados exatos, ou duas varas e manteve-se com esse valor ate á introdução do sistema decimal. Este valor correspondia ao Bà árabe.

Taipa Militar - Castelo de Paderne, construído no século XII durante o domínio Almóada 
© Fotos - José Alberto Ribeiro

Martin Trueb_Artigo_Jornal Sudoeste_Rui Graça

Artigo publicado pelo Arq. Rui Graça no jornal Sudoeste - quinta, 22/04/2021

Martin Trueb
'Nos primeiros anos do actual milénio o arquitecto Martin Trueb montava o seu cavalo lusitano no picadeiro do turismo rural "Naturarte". O facto de partilharmos o mesmo hobby no mesmo local, deu-me o privilégio de conversar com frequência com o Martin.
Se a arte secular da equitação portuguesa associada à notável genética do cavalo lusitano dava facilmente para um livro de crónicas, a nossa conversa mais regularmente derivava para a arquitectura regional, mais concretamente para a arquitectura em taipa, que na altura ainda estava em fase de "reinvenção". Era uma descoberta verdadeiramente apaixonante para quem teve o privilégio de a viver.
Eu vejo a casa do Martin, parcialmente construída em taipa, como o coroar de um bairro, também desenhado pelo Martin, que é uma referência incontornável de qualidade urbanística em Vila Nova de Milfontes - a Cerca das Árvores.
A Cerca das Árvores, projecto de 1996, assumiu desde o inicio o compromisso de respeitar o espírito da arquitectura regional alentejana, mesmo que quase todas as casas tenham sido materializadas no sistema construtivo convencional, em tijolo e betão.
Rui Graça - A primeira pergunta que se impõe é, como é que um arquitecto suíço, formado na Suíça, chega ao Alentejo e automaticamente adota a linguagem da arquitectura regional como fio condutor dos teus projetos?
Martin Trueb - Já estava a trabalhar como arquiteto há dois anos na Suíça e na Alemanha, quando surgiu a oportunidade de planear um loteamento em Portugal. Vila Nova de Milfontes não era um lugar estranho pois, como filho de mãe portuguesa, habitualmente passávamos as férias de verão neste lugar idílico. O meu pai, também arquiteto, levava-nos em passeio pelos montados alentejanos à procura de paisagens e casas para pintar as suas aguarelas.
Talvez tenham sido essas excursões pelo concelho de Odemira, que despertaram a minha atenção para a arquitetura tradicional e sobretudo para as construções em taipa. No início dos anos 90, quando cheguei ao Alentejo, conheci os Arquitetos Henrique Schreck, Alexandre Bastos e a Teresa Beirão, referências incontornáveis e impulsionadores para a reutilização desta técnica de construção tradicional. Puseram-me em contacto com construtores locais de São Luís e Relíquias, que também eles estavam num processo de reavivar esta técnica, instruídos pelos Arquitetos, mas sobre tudo pelos mestres de obra de uma geração em que a utilização desta técnica era habitual.
RG - Se é clara a linguagem de arquitectura regional (com telhados com beirado à portuguesa, com recurso a elementos tradicionais como contrafortes, muitas vezes com barras de cor tradicional) há uma utilização desses elementos de tal maneira conseguida que quando estamos nas tuas obras sente-se invariavelmente actualidade. Qual o teu segredo para combinar essa linguagem regional com inovação?
MT - Dito de forma simplificada, penso que a linguagem arquitetónica requer uma atualização constante, adaptando-a a exigências atuais de bem estar de conforto, cumprindo com as normas vigentes. A utilização de técnicas de construção tradicionais e o uso de materiais característicos desta região, podem ser encarados como um desafio para a aplicação em edifícios com uma expressão arquitetónica contemporânea, que resulta numa conjugação harmoniosa. Procuro nos meus projetos esta simbiose ao invés de reproduzir a típica arquitetura regional.
É a tendência que vejo nos Arquitetos recém formados pelas faculdades em Portugal. A adoção de uma linguagem arquitetónica contemporânea com a preocupação de integrar o objeto de uma forma harmoniosa com a envolvência existente.
RG - Um dos temas que temos falado recentemente diz respeito ao interesse de muitos proprietários por casas de arquitectura dita contemporânea (que muitas vezes se resume a coberturas planas e janelas de grandes dimensões). Este fenómeno, no entanto, tem estado infelizmente associado a integrações menos conseguidas e resultado de conjuntos menos harmoniosos. Essa má integração é reconhecida de forma generalizada, por exemplo, na expansão recente do Porto Covo. Que influência achas que o estudo e divulgação da arquitectura tradicional pode representar na aproximação da arquitectura contemporânea aos locais onde se inserem?
MT - Fiz a minha formação na faculdade técnica em Zurique, na Suíça onde o ensinamento na arquitetura é muito orientado pela doutrina do Bauhaus e os exemplos dados pelos grandes nomes dos arquitetos que marcaram essa época crucial na história da arquitetura. Quanto à orientação de estilos, dada pelas faculdades de Arquitetura em Portugal, não vejo diferença significativa para o que me foi ensinado na Suíça.
A arquitetura contemporânea tem-me acompanhado no meu percurso profissional e sinto uma motivação de recorrer a essa expressão estética e adapta-la no contexto edificado. Como qualquer pessoa, sou um observador crítico sem jugar trabalhos realizados por colegas. Acredito que há lugar para uma arquitetura moderna, mesmo nas vilas e aldeias desta região, desde que se enquadre de uma forma harmoniosa no contexto pré-existente.
RG - Talvez por a minha mulher ser austríaca, eu contacto com muitos estrangeiros na nossa região e testemunho que grande parte deles se interessa e valoriza a nossa arquitectura regional. Estou convencido que o Martin, como estrangeiro, também confirma este fenómeno. Na tua opinião, qual a razão para a nossa arquitectura, muitas vezes, brilhar mais nos olhos dos estrangeiros do que nos olhos portugueses?
MT - Se falarmos da arquitetura regional, não partilho a opinião de que é mais valorizada pelos estrangeiros do que pelos Portugueses. Sinto um grande orgulho nos Portugueses, por tudo o que é próprio duma região e do país em geral. As tradições são tal forma marcadas no povo Português, que se identifica com a cultura em geral, como não vejo noutro país.
É verdade que tenho tido muitos clientes estrangeiros, que me procuram, possivelmente por eu falar a mesma língua e se sentirem por isso mais seguros para serem acompanhados na selva demasiado burocrática, para quem chega de fora. É natural que esses estrangeiros valorizem o que é típico deste país e desta região, porque é essa a motivação para se estabelecerem aqui.
Tenho observado, que a maior parte dos estrangeiros chega ao Alentejo com a vontade de se adaptarem aos hábitos locais e mesmo não conhecendo a taipa como material de construção, demostram abertura para a adoção desta técnica na realização das suas casas.
Observo que os clientes estrangeiros têm outras prioridades de conforto para as suas casas, como cuidados especiais para controlar a humidade ou o bom aquecimento com recurso a fontes renováveis.
Esta tendência e de forma crescente, verifico recentemente também nalguns Portugueses, sensibilizados por temas de cuidados ambientais, que se reflete numa aceitação de materiais de construção naturais e recicláveis, mesmo sabendo que esta opção se possa refletir num aumento do custo da obra.
RG - Precisamente quanto ao custo das obras, na tua qualidade de arquitecto mas também de suíço (os suíços são reconhecidamente sensíveis às questões económicas), que balanço fazes dos custos da taipa e como justificas o facto de muitos turismos rurais (da tua autoria lembro-me pelo menos de dois, o "Três Marias" do teu irmão e o "Gotas de Luar") optarem pela taipa nos seus negócios.
MT - Na verdade, não vejo vantagem económica na utilização da taipa como material de construção. Esta técnica exige muita mão de obra que, como se sabe, tem vindo a aumentar de preço exponencialmente. Trata-se de uma construção morosa, tendo em conta todo trabalho da preparação da terra, o enchimento gradual dos taipais com a mistura de terra em camadas e com a compactação manual. A parede requer tempo de secagem, o que se reflete num prazo de execução da obra mais alargado.
Uma vez que as paredes em taipa têm uma maior espessura, comparando com a construção convencional de parede dupla de tijolo, estas paredes exteriores reduzem a área útil de construção, mesmo havendo benefícios em alguns concelhos que concedem um bónus de área bruta de construção para quem opte por esta técnica.
Na construção da taipa tradicional, as paredes tinham por regra 50cm de espessura. Hoje em dia, esta medida não cumpre as atuais normas de isolamento térmico. Há várias formas para resolver esta lacuna. No caso de se querer utilizar apenas taipa, será necessário, uma parede exterior com no mínimo 65cm de espessura para garantir o cumprimento com os requisitos normativos. Em alternativa é possível acrescentar à taipa um capoto de isolamento térmico, o que a meu ver descaracteriza a homogeneidade da parede exterior em terra como material puro e sustentável.
Fazendo contas aos custos da obra há vinte anos atrás, pode-se concluir que a utilização da terra com origem do local da obra, compensava o prazo alargado de execução e os custos acrescidos da mão de obra. Hoje em dia, uma obra em taipa excede o custo de construção, face a uma técnica convencional com paredes duplas e um isolamento térmico e acústico equivalente ao da taipa.
No entanto, acredito que uma construção em taipa pode ser economicamente vantajosa se for utilizada e exposta como imagem de uma exploração turística. É por via da estética da terra como elemento natural, por exemplo para um Turismo Rural, recorrendo a um material 100% reciclável, que se alcança a atenção do utilizador cada vez mais sensível à necessidade de sustentabilidade em tudo o que nos rodeia.
Conclusão
É evidente que a construção em taipa, outrora generalizada por todo o Alentejo, lamentavelmente é hoje uma forma de construção demasiado elitista. Pelo que o Martin disse esse elitismo pode estar relacionado com dois factores distintos: por um lado alguma falta de informação sobre o possível equilíbrio entre a construção e o meio ambiente, natural e cultural, diria eu, por outro lado a nossa fraca capacidade económica perante uma técnica que viu aumentar os seus custos significativamente nos últimos anos.
Num Alentejo com uma crescente valorização do turismo, parece-me sempre pouco ambicioso não divulgar, incentivar e investir nas virtudes da nossa construção regional.
Quanto à importância da informação sobre possíveis formas mais sustentáveis de construção, obviamente que não posso estar mais de acordo. Acho mesmo que essa informação é tanto mais válida quanto mais transversal e sem tabus. Por isso mesmo não só ganharemos todos se conseguirmos envolver toda a comunidade nesta discussão, como ganharemos ainda mais se tivermos a capacidade de analisar criteriosamente os bons e maus exemplos, sem julgamentos, como diz o Martin, já que a arquitectura é uma área com fortes pressões económicas, sociais e políticas, mas assumindo aprender com a experiência, fazendo com que os erros não se repitam e que os bons exemplos façam escola.
Quando aos custos de construção, as exigências térmicas dos regulamentos em vigor, como o Martin bem explicou, têm estrangulado a construção em taipa pelas exigências que acarretam (apesar de ser assumido por vários engenheiros e investigadores que os critérios em vigor para o cálculo térmico não têm em conta as virtudes próprias da terra como material de construção: a sua inércia, a sua permeabilidade ao ar ou a sua capacidade de estabilizar a humidade relativa). Uma atenção especial à taipa ou mesmo um regime excepcional parece-me mais do que justo pela contribuição que essas construções podem representar na valorização das regiões onde se inserem.
Muitos portugueses não sabem mas, na segunda metade do século XX, Portugal teve um cavaleiro, Nuno Oliveira, considerado um dos melhores cavaleiros do mundo. Este cavaleiro tem uma frase sua inscrita no picadeiro coberto da Golegã que considero bastante inspiradora, "se Deus me deu um talento deu-me com ele uma responsabilidade, montar e ensinar a montar como Deus quer". O mestre Nuno Oliveira acabou por passar grande parte da sua vida em França, país onde publicou a maioria dos seus livros, e acabou por morrer na Austrália, assumidamente por não sentir reconhecimento da sua arte no próprio país.
Há no entanto uma diferença entre a equitação e a arquitectura que nos deve fazer reflectir: Ao contrário da equitação, a arquitectura é uma arte que está indissociavelmente ligada ao território, ou seja, se não dermos valor às virtudes da nossa arquitectura, na nossa região, de certeza que elas não se vão manifestar em França ou na Austrália.'

12 fevereiro 2022

Maria da Luz Seixas_Artigo_Jornal Sudoeste_Rui Graça

Artigo publicado pelo Arq. Rui Graça no jornal Sudoeste - quinta, 11/03/2021

Maria da Luz Seixas
A Arquitecta Maria da Luz Seixas, ao contrário da esmagadora maioria dos arquitectos com trabalho dedicado à taipa que se estabeleceram no concelho de Odemira, está sediada em Serpa.
Conheci a Maria Seixas quando nos cruzámos, por um curto período de tempo na direcção do Centro da Terra, associação que promove e divulga a arquitectura em terra no nosso país. Na mesma altura conheci o trabalho da empresa de construção "Betão e Taipa" do marido, Francisco Seixas, à qual, para quem se interessa por construção em terra, é impossível ficar indiferente, tal o arrojo e inovação que utilizam nas suas obras em terra.
A nossa conversa decorreu precisamente na sede da "Betão e Taipa", de vanguardista arquitectura em terra. É aí que a Maria da Luz Seixas também tem o seu gabinete e desenvolve os seus projectos de arquitectura.
RG - Serpa é uma cidade onde se respira património arquitectónico tradicional e histórico, que justamente tem sido bem valorizado. De que forma esse património arquitectónico influenciou a sua vida profissional?
MS - A vivência com a arquitectura tradicional alentejana, precisamente aqui em Serpa, de onde sou natural, acabou por marcar definitivamente o meu percurso como arquitecta.
Sinto um apelo muito grande pela construção tradicional alentejana, que inevitavelmente me traz sensações muito boas de criança. Quando tomei conhecimento que havia Arquitectos que estariam a "reinventar" a construção em taipa, procurei uma aproximação a essa iniciativa. Queria perceber como se estava a processar a nova aproximação às técnicas ancestrais de construção.
Acabei por criar uma excelente relação com os pioneiros da "nova" taipa, os arquitectos Alexandre Bastos e a Teresa Beirão, que eram na altura um casal. Senti-me privilegiada pela abertura destes meus colegas, que se transformou em amizade e que viria abrir caminho para o meu percurso na arquitectura tradicional alentejana.
RG - Eu diria que, se a Maria recebeu um apoio no início dos seus projectos em taipa, o retribuiu em dobro quando assumiu dar formação na Escola profissional de Serpa, precisamente quando essa instituição se dedicou ao ensino de técnicas tradicionais de construção, entre as quais a taipa.
MS - Efectivamente tive essa oportunidade, mas foi igualmente para mim um privilégio! Se a formação em construção civil é uma necessidade cada vez mais evidente (acho que todos já percebemos a falta de mão de obra qualificada na construção civil) eu testemunhei que essa formação em técnicas tradicionais é mais apelativa, pelo seu carácter artesanal. Os meus alunos gostavam de aprender a fazer paredes em taipa ou abóbodas, por exemplo. O carácter artesanal, quase artístico dessas técnicas, atraía jovens para esses cursos e mantinha-os estimulados. Ao contrário disso, na construção civil corrente, a percepção que eu tenho é que os jovens acabam por aderir a ela principalmente por recurso... Este aspecto devia ser valorizado porque nele reside um grande argumento da sustentabilidade da construção em taipa.
RG - Outro privilégio deve ser trabalhar de perto com uma empresa como a "Betão e Taipa", uma incontornável referência na construção com terra, deve deixar-lha as costas bem quentes...
MS - Sem dúvida! A empresa do meu marido tem aprofundado significativamente o estudo e as várias técnicas possíveis de construção em taipa. Reúne neste momento uma capacidade técnica considerável com obras marcantes, em taipa, como a piscina municipal de Toro, no Norte de Espanha, com 420 m3 de taipa, boa parte construída com temperaturas negativas!
Das obras da "Betão e Taipa" destaco ainda a habitação em Beja do conhecido arquitecto português, o Bartolomeu da Costa Cabral, a quem é atribuído um lugar de referência na viragem do movimento moderno da arquitectura portuguesa. Foi surpreendente o interesse do Bartolomeu pela taipa e, mesmo que a tenha utilizado duma forma muito própria, houve uma aproximação deste arquitecto às origens, tanto assim que eu, e a Teresa Beirão, que referi atrás, constituímos uma equipa de consultores para que o projecto e a obra seguissem da melhor forma.
Relativamente aos meus projectos em taipa, que se enquadram normalmente na arquitectura regional, não deixa de ser uma oportunidade, ter acesso a novas formas de compactação da terra. Eu considero que as tradições evoluem, por isso, a soma de novos recursos técnicos vem dar ainda mais opções a uma linguagem que só por si já é ilimitada do ponto de vista criativo.
Nos últimos anos a empresa do meu marido tem tido um volume cada vez maior de solicitações para a concretização de projectos em terra de gabinetes de arquitectos mais conhecidos e de maior dimensão. As soluções regionais começam a exercer um apelo cada vez maior também à elite projectista. Há por isso que valorizar as soluções técnicas mas também a sua contextualização cultural e regional para que essas construções venham a contribuir sempre para uma valorização arquitectónica e paisagística das regiões onde se inserem.
RG - Vejo pelos painéis que tem no seu atelier que já teve alguns dos seus projectos expostos em exposições dos quais destaco o Turismo Rural "O Cantar do Grilo". Chama-me a atenção a monitorização que este edifício teve ao nível da amplitude térmica e humidade relativa. Se a arquitectura tradicional pode despertar paixões, a construção em taipa permite atingir valores concretos que se traduzem em conforto e poupança energética. Pode explicar as medições e os resultados que elaboraram no "Cantar do Grilo".

MS - Muito sinteticamente, nas medições que fizemos, entre 1 e 15 de Julho de 2006 verificou-se que, com temperatura exteriores de 43oc, a temperatura no interior manteve-se estável e sempre abaixo dos 30º. É muito clara a vantagem da inércia térmica num clima como o do Alentejo que apresenta amplitudes térmicas diárias significativas.
Em relação à humidade relativa no mesmo período, no exterior varia entre 18% e os 84%. No interior as humidades mantêm-se dentro das gamas de conforto, entre os 40% e 60%.
Há a referir que os valores de humidade ou temperatura na tabela foram absolutamente passivos, não dispondo a construção em causa de qualquer aparelho eléctrico ou outro que contribuísse para os mesmos, o que é impressionante.
É importante salientar no entanto que a eficiência energética de qualquer edifício, depende da conjugação de vários fatores, entre eles: o Projeto de Arquitetura; o clima local, os materiais utilizados na construção; e também as boas práticas de utilização.
RG - Tive a oportunidade de falar com a jovem arquitecta que trabalha aqui consigo, a Alexandra Melão. Notei que dá um valor adicional aos projectos que desenvolve em taipa, como se associasse um sentido de missão à exaltação da arquitectura regional...
MS - Sem dúvida que a Alexandra é uma entusiasta da arquitectura tradicional e uma excelente profissional. Entendemo-nos muito bem na abordagem ao nosso património arquitectónico que passa pela preservação, restauro, mas também por encontrar a forma de o ampliar, resgatando e adaptando as inúmeras técnicas ancestrais, tornando-as válidas nos nossos dias.
Eu penso que a juventude tem mais presente a necessidade de sustentabilidade das construções. Talvez por isso, tanto na escola profissional como no meu atelier, a taipa atrai e estimula mais os mais jovens. A construção dos nossos avós é provavelmente mais cativante para os nossos filhos do que para os nossos pais...
Não há dúvida que as virtudes da arquitectura da Maria nos entram pelos olhos dentro, carregando a autenticidade e a pureza da arquitectura alentejana de Serpa, no entanto foi a sua experiência na formação que retive como um sinal de grande optimismo...
Se as novas construções em taipa representam quase sempre um acréscimo ao nosso património arquitectónico tradicional, a formação de novos empreiteiros, arquitectos e engenheiros pode representar um fenómeno cultural de valor inestimável.
A experiência da Maria da Luz é ainda um bom exemplo para clarificar que, de forma generalizada, o uso de técnicas tradicionais não se esgota nelas próprias. Muitas vezes esse conhecimento tem a validade de criar referências de composição e de técnicas que inspiram e dão consistência a outros projectos, mesmo de natureza distinta das obras tradicionais.
Eu pessoalmente, no último ano do meu curso de arquitectura, tive o privilégio de integrar a equipa que se responsabilizou pela fiscalização do Pavilhão de Portugal, na Expo na altura. Se a imagem deste projecto do famoso Siza Vieira é de uma laje em betão suspensa, como se de um lençol se tratasse, o que eu retive dessa obra foi a obsessão do Siza Vieira pelos pormenores da arquitectura tradicional lisboeta: os azulejos, a calçada à portuguesa, as cantarias em lioz ou o fabuloso trabalho de carpintaria. Também na arquitectura, o essencial é invisível aos olhos...
Se a construção dos nossos avós é mais atraente para os nossos filhos do que para os nossos pais, devíamos valorizar este sinal e dar-lhe o futuro que merece!'

11 fevereiro 2022

Henrique Schreck_Artigo_Jornal Sudoeste_Rui Graça

Artigo publicado pelo Arq. Rui Graça no jornal Sudoeste - quarta, 23/12/2020
Henrique Schreck
'Foi um privilégio conhecer o Henrique, para mim que chegava de Lisboa, para o meu estágio profissional na Câmara Municipal de Odemira, na viragem do milénio. Foi como o contacto com um "druida" que falava de arquitectura numa linguagem nova e fascinante, de ligação à natureza, aos ciclos e, claro, de ligação à terra no seu aspecto físico e cultural. A obra do Henrique transpira um carácter artesanal e orgânico, desde os primeiros esboços, passando pelas quentes perspectivas desenhadas à mão, que transmitem calor e simbolismo ao qual não ficamos indiferentes. Sempre admirei a subtileza como o Henrique integra no seu trabalho os diversos pormenores que constituem o vasto e riquíssimo vocabulário da arquitectura tradicional alentejana, a forma das chaminés, os beirados, os desníveis de adaptação ao terreno, a aplicação das tijoleira sem criativas estereotomias...
Rui Graça - As suas obras revelam uma grande atenção ao pormenor, muitas vezes em clara exaltação da arquitectura alentejana. Quais as fontes de inspiração para o desenvolvimento da sua linguagem arquitectónica?
Henrique Schreck - A atenção aos pormenores resideno simples facto de a vida ser feita de pequenos nadas; a preocupação do detalhe deve-se à consciência de que um pequeno detalhe pode desfigurar uma obra. Dois anos antes de acabar o curso de Arquitectura na Escola Superior de Belas Artes de Lisboa, e estando já a trabalhar num atelier com alguma dimensão, tive acesso a um artigo de Culot que me abalou a minha forma de pensar a profissão. Nesse texto, Maurice Culot falava da importância de construir com materiais recicláveis em detrimento dos restantes. Fiquei a pensar desde então nesta questão com mais profundidade e alguma angústia misturada, dado que na altura todos os projectos eram construídos sem esta preocupação; estávamos em 1978. O contacto com o Arq. Bartolomeu Costa Cabral trouxe-me, para além de boas aprendizagens gerais, a ideia de adaptar a construção às questões energéticas emergentes. Quando comecei a minha actividade como profissional liberal independente encontrava-me no Alentejo dado um acaso do destino, e deparei-me com este fantástico material - a terra - capaz de construir quase tudo. A minha primeira experiência foi através da recuperação de um antigo monte, onde aprendi imenso, e me suscitou de uma forma irresistível a vontade de também vir a construir assim de novo, de raíz; estávamos em 1988, dez anos depois do tal artigo de Culot! Colocava-se-me então a seguinte questão: como fazer de raíz? Eu não sabia, nenhum construtor da zona sabia; como ter um cliente para poder aliciar um construtor? Tinha feito alguns projectos em terra, mas ainda sem a experiência; resolvi então fazer a minha própria casa; tinha recorrido a um velho pedreiro que na altura tinha setenta e tal anos, o qual me deu uma ajuda preciosa com a sua paciência e um certo orgulho em ver que o seu saber ainda servia para alguma coisa; com ele aprendi as coisas básicas, desde a escolha da terra, passando pela sua humidificação, até à sua compressão nos taipais. Fiquei-lhe eternamente grato pela sua generosidade e paciência. A construção da casa que desenhei, construí e onde vivo desde então foi um marco para mim. Durante um ano nela participei, desde as fundações ao telhado, experimentei muitas coisas (se dessem errado o problema era meu!) e senti-me apto a aconselhar esta forma deconstruir, que me parece a mais correcta para esta região, quer em termos de conforto para quem a habita, quer em termos ecológicos, pois a construção, avida e a destruição, acabam por ser um ciclo perfeito, com uma pegada reduzida: a terra que faz a casa volta para a terra de onde veio.
RG - Se a imagem tem uma importância fundamental na obra de um arquitecto, eu reconheço que no seu trabalho há princípios dos quais não abdica e que, a meu ver, dão muita consistência ao seu trabalho. Ou seja, a sua obra, mais do que parece, é! Podia explicar os princípios fundamentais que pautam a sua obra?
HS - Esta compreensão do ciclo natural, leva-me a preferir a simplicidade à egocêntrica atitude de afirmação pessoal. Ao percorrer uma rua e caso aconteça determinada construção nos chamar a atenção, das duas uma: ou é uma peça de excepcional valor, ou é um mamarracho. A discrição baseia-se numa correcta implantação em primeiro lugar; a harmonia com a envolvente é importantíssima, o respeito por aquilo que existe antes de eu chegar: um poço, uma árvore, um muro, ou edifícios envolventes com a tal qualidade. Perguntava alguém numa conferência, como distinguir a qualidade da falta dela. Só me ocorreu responder, perguntando ao meu interlocutor se sabia a distinção entre ruído e música, pois ambos são som. Quantas vezes nos deparamos com formas sem conteúdo? E, no entanto, arquitectonicamente todo o conteúdo tem forma, melhor ainda, na boa Arquitectura, a forma é o resultado do conteúdo. Nunca faço uma habitação para outros como se fosse para mim: trabalho para os outros, tenho de perceber para quem estou a trabalhar de modo a, pegando na sua forma de vida, poder melhorá-la: mais segurança, mais conforto, mas também mais diversão. Espaços monótonos e absolutamente funcionais, não levam à felicidade por muito seguros e confortáveis que sejam. Parto do princípio que o Arquitecto é, em primeiro lugar, um construtor. Quando comecei a construir em terra, tive de aprender como se fazia. Apercebi-me porque é que os montes alentejanas ficam tão bem enquadrados na paisagem: cérceas baixas, vãos pequenos, inclinações suaves das coberturas...e houve quem chamasse a esta atitude, "tradicionalismo". Efectivamente, da tradição sempre apreciei a brasa, não a cinza.
RG - Eu sei que o Henrique é muito procurado para apoiar cursos de mestrado que se debruçam sobre a construção em terra. Parece que há um interesse académico cada vez maior pela construção em taipa e que a mesma está cada vez mais a ser considerada uma técnica de vanguarda. O que há de tão inovador na construção em taipa, a casa dos nossos avós?
HS - Eu diria antes, o que há de novo nas nossas casas que podem ter semelhança com a dos nossos avós? A casa dos avós era em terra batida no chão, o tecto era vão ou em cana, a água vinha do poço a balde e chegava. Avida alterou-se, hoje é impensável não ter internet, quanto mais casa de banho! Uma coisa é certa: o material com que hoje faço é o mesmo - a terra - muda-se é o conforto interior e adapta-se às novas exigências. Penso que a procura de alunos que me abordam para acompanhar mestrados ou estágios profissionais, nasce da própria universidade que ganhou uma consciência ambiental e impulsionou o conhecimento de técnicas alternativas ao betão. A simples longevidade do betão ou da terra dá que pensar: falamos de séculos contra milénios, com a agravante de um dia ser difícil saber onde colocar o betão destruído. A taipa, pelo seu lado, ao morrer volta para a terra que lhe deu origem, e pode, inclusivamente ser usada para construir de novo, ou para as plantas nascerem de novo. Nunca vi reutilizar o betão usado para argamassar! Ao introduzir disciplinas de materiais construtivos alternativos, a universidade gerou uma curiosidade e apetência interessante nos alunos: alguns apaixonam-se de tal maneira que chegam ao fim dos seus cursos e projectam em terra, e não só em Portugal, tendo eu o prazer de acompanhar os seus projectos e obras
RG - A construção em taipa foi efectivamente a construção popular do Alentejo até aos anos 40, cerca de 80%das construções de todo o Alentejo eram em taipa até essa data. O interesse da construção em taipa nos nossos dias está longe de se popularizar. Eu diria que ainda é uma elite que se interessa e procura construir em taipa. Na sua experiência de 25 anos a projectar em taipa é possível traçar um perfil do seu cliente?
HS -  a técnica - taipa - cinquenta anos depois de ser abandonada, não foi tarefa fácil. Para se ter uma ideia, se ao princípio, num ano fazia um ou dois projectos, foram precisos muitos anos para, como agora, os outros materiais serem a excepção das opções construtivas. Daí eu achar que, pelo o contrário, a taipa se tem vindo a popularizar, haja em conta as dezenas de milhar de metros quadrados projectados e construídos. O perfil possível do cliente que procura a construção em terra é, neste momento, pessoa informada, desde licenciados a jovens agricultores, artistas, empresários e empregados de serviços; a procura é muita e sobretudo expande-se pela qualidade da sua vivência.
RG - O Henrique nos últimos anos, tanto quanto sei, tem cada vez mais projectos em taipa para executar e num raio de incidência também cada vez mais alargado. Neste momento trabalham consigo dois jovens arquitectos igualmente absolutamente dedicados à causa da construção em taipa. Que evolução prevê para a construção em taipa nos próximos anos?
HS - Prevejo um crescente interesse e procura. Neste momento, como disse, existe uma grande procura e com programas diversificados, bem como o raio de acção, desde Lagos a Santiago do Cacém epara o interior, até Évora. Como consultor, em Portugal desde o Porto a Lisboa, e no Alentejo desde Setúbal, Montijo, Reguengos de Monsaraz, Borba; no estrangeiro, América do Sul, Itália e Alemanha são as maiores solicitações. De há uns anos a esta parte comecei a trabalhar em conjunto com a Raquel Cunha e o Pedro Neves, dois jovens entusiastas da construção em terra, e tem sido de grande utilidade para todos; a sua presença constitui uma lufada de ar fresco, com novas ideias e uma grande energia. Por outro lado, acho que estamos a contrariar uma péssima tendência em Portugal: a falta de comunicação entre gerações. O futuro afigura-se promissor, tendo em conta estas décadas recentes.
As obras do Henrique, mais do que referências do movimento de construção contemporânea em taipa, são autênticos protótipos de contraponto à globalização na arquitectura que tantas vezes resulta na descaracterização da arquitectura regional.'

09 fevereiro 2022

Alexandre Bastos_Artigo_Jornal Sudoeste_Rui Graça

Artigo publicado pelo Arq. Rui Graça no jornal Sudoeste - quinta, 01/10/2020

'Alexandre Bastos
Em 1993 é concluída a obra de um Ateliê de Pintura de construção em taipa (projecto de 1992) e é apresentada, no mesmo ano, na 7ª Conferência Internacional sobre o estudo e conservação da Arquitectura de terra, que se realizou em Portugal, na cidade de Silves. Esta construção acaba por ser uma referência do ressuscitamento desta técnica de construção, a taipa, tão própria do nosso Alentejo. O seu autor é o arquitecto Alexandre Bastos.
Do seu incrível currículo de trabalhos em taipa onde eu ainda tive o privilégio de colaborar no 1º prémio do concurso de recuperação, conservação e restauro do Castelo de Paderne e Capela do séc. XV, do IPPAR, no Concelho de Albufeira. Contam-se diversos contributos entre projectos, publicações e conferências. O Alexandre concentra muita informação relevante no seu blog, "poética da terra" que merece uma visita cuidada para quem se interessar por este tema.
No período onde eu pertenci ao licenciamento de obras particulares da Câmara Municipal de Odemira, os projectos do Alexandre Bastos eram sempre motivo de interesse do nosso grupo de arquitectos. Para quem não sabe, o Alexandre, para além de arquitecto é um brilhante pintor. Os alçados dos projectos do Alexandre Bastos eram tratados como telas. Em muitos dos alçados das obras do Alexandre Bastos sente-se uma liberdade de composição muito própria da pintura, influenciando a Arquitectura.
Rui Graça - Penso que ainda há uma ideia, talvez um preconceito, lamentável quando é assumido por arquitectos, de que a prática da arquitectura tradicional alentejana consiste num acto não criativo e desactualizado. Eu digo que se há alguma coisa que caracteriza a sua obra é precisamente a liberdade artística e a criatividade. O que o liberta na prática da arquitectura tradicional?
Alexandre Bastos -"Reconstruí muito: É colaborar com o tempo sob o seu aspecto de passado, apreender-lhe ou modificar-lhe o espírito, servir-lhe de muda para um mais longo futuro; é reencontrar sob as pedras o segredo das origens."
Adriano. Marguerite Yourcenar
Nada de especial, a criatividade e não ser mimético. Talvez esteja a ser parco na resposta, assim vejamos em mais pormenor:
Sem entrar a fundo na Arquitectura popular, ela ensina muito e duma forma surpreendente, cada zona, cada território, tem a sua especificidade e a sua necessidade e adaptação; Seja nas chaminés, telhado, inclinação, beirado, pedra, taipa, adobe, fenestrações, comprimento, largura, gigantes, platibandas, grelhas, paisagem, interiores do lar e do lar(lareira); Alcovas, cozinha de fora, cozinha dos convidados, sala por estriar que raramente se usa, ou pequena sala junto ao fogo onde se cozinha com a panela de ferro? Têm corredores ou passa-se duma divisão para a outra? A última telha do beirado é mais comprida ou é curta? Então porque estas são mais alongadas ao norte do Alentejo? E como se resolve, caso haja necessidade da dita telha diferente seja aplicada onde não se fabrica in situ? Simples: Executa-se um beirado duplo e cada um tem a sua beleza e lógica. Assim lança-se a água para o mais longe possível da fachada e da entrada. Quanto mais alta fôr a fachada mais necessidade se exige da distância da queda de água sobre o alçado. E como 'acelerar' ou projectar a água ainda para mais longe? Com a "sela" do terminus das 3 últimas telhas, sendo que a última é praticamente horizontal. Só tem paralelo no Japão. É preciso ter cuidado com o ar, ou melhor, com o vento e o percurso da água.
Mas vivemos de Sol a Sol? Não, a sociedade instalada ou aquela que está prestes a ocupar o território vive de uma outra forma. Se o horizonte é horizontal porque hei-de ter apenas janelas verticais? Não poderei apanhar a água que corre de uma outra forma? E as superfícies não poderão ser no mesmo material e expostas de um outro modo? Os rebocos têm que ser previsíveis e simétricos? A identidade é preservada mas com outro espirito, adaptação e contemporaniadade desde que preservemos a memória e os ensinamentos dos arquitectos anónimos.(a arquitectura popular). Como é que isto se chama? Equilíbrio e sensatez.
RG - A incrível opção de voltar a construir em taipa no princípio dos anos 90, quando eu estava a iniciar o meu curso de arquitectura, é seguramente muito diferente da mesma opção nos nossos dias. Hoje em dia a construção contemporânea em taipa já tem um percurso marcado. O que o motivou para explorar nessa altura essa técnica tradicional em desuso?
AB - "Construir é colaborar com a terra; é pôr numa paisagem uma marca humana que a modificará para sempre."
Adriano. M.Yourcenar (Memórias de Adriano)
Essa opção era previsível e óbvia para mim. Então se temos o material aos nossos pés e a construção assim era, porque não retomá-la? Não é ela a nossa cultura e identidade? E repare que o que é interessante é a sua descontinuidade que por agora não cabe aqui explorar, mas fazer notar que a idade dos grandes taipeiros era já avançada e se não aprendessemos com eles, seria com quem? Mesmo no conhecimento das análises à terra havia um défice, os limites de consistência, a granulometria , compressão, tracção, análise "dos finos", etc, e desde esta constatação iniciei esse processo em 1992/93.
Por outro lado é óbvio que não esqueço o meu passado privilegiado, neto e filho de arquitectos com quem aprendi quase tudo, sobretudo com o meu Pai, onde as leituras eram essenciais , Orlando Ribeiro, José Veiga de Oliveira, Fernando Galhano, 'Arquitectura Popular' do Sindicato dos arquitectos, etc.
RG - No seu trabalho, um arquitecto acaba inevitavelmente por interagir com a personalidade dos seus clientes. Com mais de 50 obras em taipa, de maior ou menor dimensão, já é possível identificar o perfil do cliente que procura a construção em taipa? Esse perfil mudou durante os 25 anos que projecta em taipa?
AB - O perfil é sempre a ecologia e o conforto interior. Também o custo do material que é zero. Por vezes cultural, mas raro. Curiosamente o perfil não mudou.
RG - Vivemos num concelho, Odemira, onde apenas há 3 monumentos classificados, uma ponte em Santa Clara, uma igreja em Odemira e um castelo em Vila Nova de Milfontes (este último cheio de construções clandestinas na cobertura?). Num território onde a dispersão do património é grande e sem a existência de muitas construções de excepção, as políticas de valorização e preservação desse mesmo património são difíceis de aplicar, apesar dos seus arquétipos serem tão presentes e importantes para a nossa identidade - o monte alentejano, as ruas de aldeia com casas térreas caiadas? Qual a importância e que influência teve o património original do concelho de Odemira na sua obra?
AB - A sua pergunta dá a resposta - A simplicidade desse património, "as ruas da aldeia, as casas térreas, o monte alentejano" e o mais importante de todos o 'assento' agrícola de outra dimensão, em decadência pelo revés da agricultura e a contemporaniadade , o decurso normal da passagem do tempo. Donde, e falo por mim, a arquitectura deverá ser simples, escorreita não significando que não seja contemporânea ou denotante aqui e ali, preservando sempre um diálogo com a pré-existência do sítio, da aldeia, do monte, enfim da urbe e da identidade. Numa simplicidade tão grande é evidente que o mais grave está na destruição/demolição dos valores simples da arquitectura. Por vezes o acréscimo destrói, e por mais paradoxo que pareça, acrescenta aquilo que não deve ter, uma espécie de abcesso que necessita com urgência de um estomatologista.
RG - ?E num sentido contrário, que influência acha que pode ter o desaparecimento de parte substancial do património original num concelho como Odemira no trabalho dos arquitectos que agora iniciam o seu trabalho?
AB - Talvez, talvez menor quantidade e qualidade para influenciar e determinar o fio condutor das suas obras.
RG - No seu percurso de construção em taipa a expressão apaixonante quase se pode aplicar literalmente, essa paixão e ideal contribuiu certamente para a ligação com a sua ex-mulher, a arquitecta Teresa Beirão, também com um brilhante currículo de construção em taipa. O que tem de tão apaixonante a construção em Terra?
AB - Eu conheci a Teresa em 1976 e desde 1977 que convivíamos amiúde. Tínhamos o mesmo ponto de vista, a mesma abordagem em termos profissionais do património arquitectónico e a mesma filosofia de abordagem da proposta a um novo desafio. Dessa forma houve um encontro.
O que a apaixonante Taipa, (construção em terra) tem, é ser infinita sob o ponto de vista criativo. Textura irregular, lisa, polida, com pigmentos, várias cores, baixo relevo, mais cal, menos, com gravilha de cor, sem, com estereotomia da cal visível, metade dela, sem, com riscas brancas no taipal, com intersecção das diagonais, com muitas diagonais, sem elas, rebocada de cal, rebocada com escariola e pintada, frescos e cal, etc, está a ver, é uma infinidade. O que há de melhor para um artista plástico-arquitecto? Isso mesmo.
Mas muito mais; poupa 2/3 de água, respira e transpira, adapta-se a qualquer forma, é altamente isolante, acusticamente soberba, dum aroma constante, e fantástica sob o ponto de vista sísmico. Tem outra grande qualidade, a alteração e o reaproveitamento em outro local e deste modo está preparada para as gerações vindouras ou para voltar à terra. Em sintese, é livre na sua essência, móvel mesmo sendo antiga, enfim uma matéria sem tempo.
RG - No seu profundo sentido artístico, seguramente que sente cada vez mais restrições na criação arquitectónica. Desde a primeira construção em taipa até aos nossos dias que obstáculos destaca com as mudanças de legislação e politicas.
AB - Não sinto sabe, sou imune à restrição criativa. O que sinto é uma caterva de legislação inútil e disparatada que é entediante para quem projecta, o que é grave é a circunstância do tempo, um tempo limite a partir do qual eu-mesmo me sinto ultrapassado, esperar pela aprovação, esperar pelo parecer das entidades, esperar pelas especialidades, esperar pelos orçamentos, esperar pelo cliente, esperar sem desesperar é o mais difícil. Julgo que foi em 1994, escrevi um artigo onde abordava e também aconselhava, a fazer uma síntese da legislação, mas ninguém ligou nenhuma. Estava-se mesmo a ver o que iria acontecer; um labirinto para todos. Senão veja, chegou agora (desde há alguns anos) mas no momento complica-se ( não tenho paciência para explicar porquê) um dec-lei sobre a defesa nacional da floresta que restringe as construções e (ai) das Câmaras que não tenham o plano. Mas diga-me s.f.f., existe alguma Lei, aconselhamento, seja o que fôr, sobre o modo como a floresta deve ser implementada? Que espécies prioritárias? Que rejuvenescimento se implementa? Sei perfeitamente o que esta atitude significa: 'Sacudir a água do capote' para desresponsabilizar os políticos! Esqueceram Orlando Ribeiro, Caldeira Cabral, Ribeiro Teles, etc. 
A estrutura fundiária mudou, a sociedade também, a migração foi e é complexa, a economia e finanças das famílias agudizam-se e tentam encontrar a todo o custo o caminho eficaz do labirinto - a saída. Na verdade os políticos estão a preparar um barril de pólvora, o momento em que a frágil dinâmica rural desiste e começa a preparar a sua fuga para os limítrofes da cidade, abandonando o campo de vez. Todas as coisas na vida devem ser simples, é através dessa simplicidade que num ápice resolvemos a tormenta. 
Entretanto aguardo serenamente pelo momento em que um legislador-brilhante me proíba fazer chi-chi no campo.
O Alexandre vive em São Luís, no Concelho de Odemira, muito provavelmente a aldeia com mais arquitectos a exercerem arquitectura em taipa. É indiscutivelmente um pioneiro e motivo de inspiração para novos arquitectos. Como alentejanos acho que devemos estar gratos pelo Alexandre ter escolhido a nossa arquitectura tradicional como suporte para a sua arte...'