Vou uma vez mais ao Baú das Pesquisas buscar um texto sobre Taipa, publicado em 1985!!! (tinha eu largado pouco tempo antes a chucha) no jornal dos Arquitectos nº12, da autoria do Arquitecto Victor Mestre.
Ainda que a frase inicial esteja felizmente desadequada na actualidade, o texto reflecte bem a simplicidade do processo de construção (referência para as pequenas diferenças na técnica e nos nomes dos utensílios entre regiões) e o porquê da persistência desta técnica na nossa Cultura e Arquitectura Tradicional.
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Arquitectura de Terra – A Taipa
“Com a lenta mas progressiva industrialização do séc. XX, os processos artesanais de construção decaíram até praticamente se encontrarem extintos actualmente.
Todavia é vulgar depararmos com este universo e respectivos materiais, adormecidos nas paredes caiadas das aldeias, vilas, e também cidades do Interior (Sul).
Assim, podemos constatar que a sua durabilidade é apreciável dependendo muito da manutenção que lhe dedicam (aliás como qualquer outro processo construtivo).
A Arquitectura de Terra no nosso país apresenta duas componentes: o bloco de terra de pequenas dimensões cozido ao Sol –o adobe – e a taipa, que se desenvolve a partir de taipais, formando aquilo que modernamente se chama cofragem. Tanto o adobe como a taipa são compostos por barros crus, cuja origem se deve à alteração superficial dos xistos argilosos, comuns ao solo alentejano, parte do Litoral do Algarve e ainda em zonas sedimentares dos rios ribeiras e barrancos (A).
Embora se saiba que a taipa é anterior aos mouros que colonizaram e povoaram grande parte dos campos do Sul de Portugal, foram eles, no entanto, que a utilizaram em larga escala, (contribuindo definitivamente para a sua vulgarização), juntamente com outros materiais que hoje identificam a Arquitectura Popular do Sul entre outros o lambaz- tijolo fino e de forma rectangular (0,15x0,30x0,05) utilizado na construção de abóbadas e frisos decorativos, a baldoza, de forma quadrada (0,20x0,20x0,05) usada nos pavimentos, o tijolo burro (0,22x0,11x0,07) para pilares resistentes, arcos de verga de portas e janelas, chaminés, grelhas decorativas, etc.
A distribuição geográfica da taipa, de um modo geral, está compreendida pela região do rio Sado, planícies alentejanas, interrompida pelas serras algarvias, para de novo surgir no litoral mediterrânico.
O ciclo das construções de Taipa inicia-se com a execução dos caboucos em pedra do local, normalmente xisto. Estes são construídos até 50 cm acima do solo, portanto iniciando já um arranque declarado da parede. Deste modo, evita-se que a taipa tenha contacto directo com a terra, impedindo assim a absorção de humidades. Após se ter seleccionado o local de extracção, a terra é limpa de pedras de média e grande dimensão, para seguidamente ser amassada com pouca água e pedrica (pequenas pedras normalmente de xisto que oferecem maior consistência ao combinado). Com os taipais já montados sobre o murete de pedra, a terra amassada é transportada em cestos ou baldes até ao seu interior, onde dois homens munidos do pizão comprimem o material com fortes pancadas até este ceder em igual percentagem por todo o interior. Esta operação só termina quando se formar à superfície uma película de nata castanha, recebendo então novo balde de terra. A cofragem propriamente dita compõe-se pelos taipais laterais, enxameis e pelas comportas, formando assim uma caixa sem tampa e sem fundo.
A montagem destas quatro faces consegue-se a partir dos costeiros, (elementos fixos à parte lateral dos taipais) que suportam o travamento lateral inferior através das agulhas e superior das cangas, estas últimas por sua vez recebem as cunhas para controlar a intensidade do fecho.
A descofragem é feita sempre que termina o enchimento dos «enxaméis» (taipais e comportas) para logo de seguida se montarem de novo ao lado do «bloco» construído; este exposto ao sol irá endurecer lentamente.
O processo repete-se com uma pequena supressão; uma das comportas deixa de ser necessária para o novo «bloco» poder colar ao anterior. Note-se ainda que o arranque da fiada superior inicia-se desencontrada da inferior, de modo a permitir o travamento nos cunhais.
(Um ano) após a conclusão das paredes e telhado, a casa é rebocada com o mesmo barro da taipa mas peneirado e por vezes, enriquecido com uma ligeira percentagem de cal.
Finalmente, o ciclo termina com a caiação. Esta, com as sucessivas demãos, forma uma película resistente à intempéries e à luz solar.
Dada a facilidade com que se constrói ou reconstrói um edifício desta natureza, aliada a uma certa economia de meios, julgamos interessante recuperar parcial ou totalmente estas técnicas tradicionais, aperfeiçoando-as através de novos conhecimentos científicos e mesmo de novos conceitos de arquitectura.
(A) Orlando Ribeiro, Temas Portugueses, Geografia e Civilização
(B) Victor Mestre, Recuperação de uma Casa de Arquitectura Popular em Safara, Moura, 1982/3
Outras obras consultadas:
Arquitectura Popular em Portugal, Associação dos Arquitectos Portugueses, 1961,
A Arquitectura Popular Portuguesa, Mário Moutinho, 1979.
Encontro de Mestres Construtores «Noudar 84» Câmara Municipal de Barrancos/Dep. de História da Universidade de Lisboa, 1984.
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Mestre, Victor, in Jornal dos Arquitectos nº12, Lisboa, 1985