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24 novembro 2008

Cal_Vol.I

Apresentamos agora um texto publicado por Jorge Lira Unipessoal, lda sobre a CAL, elemento importante no domínio da construção em Terra crua, explicando a sua Natureza, como se obtém, a sua preparação e as diferentes aplicações.
Por razões de dimensão do trabalho, optámos por dividi-lo em 3partes.

"A cal pura não se encontra na natureza.
A que se pode encontrar em venda, e que depois de tratada, se utiliza na composição de argamassas para construção, sob a forma designada como CAL PURA, CAL VIVA ou antigamente designada por CAL VIRGEM, resulta do aquecimento de pedras de calcário ou calcite (por exemplo, proveniente das minas de Stº Adrião) em fornos próprios (os fornos da Cal) a temperaturas elevadas (cerca de 600o C a 800 oC), processo que se designa por Calcinação.

Na ausência de pedra calcária, podem-se utilizar quaisquer resíduos de natureza calcária ou com em que o cálcio tenha componente significativa (por exemplo, cascas de crustáceos e mariscos, ossos ou ainda, qualquer tipo de coral) o que resulta em pastas e argamassas de tipo totalmente diverso, mas não menos robusto ou duradouro (por exemplo, a fortaleza de S. Jorge da Mina foi erguida por portugueses com recurso a argamassas de cal obtidas através da calcinação de cascas de mariscos locais).

Durante o processo de calcinação o que ocorre é que o óxido de cálcio é extraído, processo este que dá posteriormente ao produto resultante a capacidade de reagir com a água e posteriormente, quando já misturado com a argamassa, endurecer em contacto com o ar ou com a água.

Esta propriedade de endurecimento em contacto com o ar ou com a água explica a realização bem sucedida de muitas obras de construção sub aquática em períodos da história em que outras tecnologias mais sofisticadas não estavam disponíveis, tal como a construção de Pegões e pilares de pontes dentro leitos de rios.
O tempo necessário para se completar completamente a operação e o endurecimento só pode, caso a caso, ser fixado em termos absolutos por experiências, pois não depende exclusivamente da natureza da pedra calcária nem da qualidade do combustível, mas também do sistema do forno, da sua capacidade, do estado da atmosfera, da força do vento... como em qualquer sistema não industrial, o processo artesanal de obtenção da Cal é “temperamental” e apenas uma prática longamente adquirida poderá manter um controlo do sistema mais ou menos eficaz.
A presença do vapor de água facilita a calcinação pelo que convém que os calcários tenham alguma humidade. Durante o processo de calcinação, os calcários deverão perder cerca de 45% do seu peso original, perdendo também volume de forma significativa.
Ao resultado de um processo de calcinação excessivo dá-se o nome de CAL MORTA ou
CAL QUEIMADA, que no respeitante à construção, para nada serve.
Hoje em dia, a Cal disponível provém de fontes industriais em que a sua produção é controlada com factores objectivos, resultando um produto homogéneo.
Na construção, utilizam-se dois tipos de Cal:
Cal Aérea
Cal Hidráulica

Para finalidades e usos diversos.
A CAL AÈREA só endurece em contacto com o ar, sendo adequada para ligante de juntas de alvenaria e para rebocos.
A CAL HIDRAULICA endurece em contacto com a água ou em ambientes predominantemente húmidos, servindo para construção de cisternas, poços, pontes, azenhas, fundações em geral. Ambas resultam da Cal Viva que provém da calcinação da pedra calcária, ambas se podem actualmente encontrar disponíveis à venda de forma já preparada no mercado. No entanto, para se obter uma melhor qualidade, a CAL DEVERÀ SER PREPARADA EM OBRA.
Ao processo de preparação da Cal chama-se a sua EXTINÇÂO ou HIDRATAÇÃO.
O processo de extinção da Cal resume-se à reacção química (exógena) resultante da adição de água à Cal Viva, em pedra, o que conduz a uma espécie de efervescência e forte libertação de calor (até cerca de 300oC) e que como produto final resulta na transformação das pedras de Cal Viva em pó ou em pasta.
Este processo de Extinção da cal (também, e mais correctamente, chamado de Hidratação da Cal requer bastante cuidado porque as altas temperaturas, em associação com a natureza química alcalina do produto, podem provocar queimaduras graves.


Há vários processos fundamentais de extinção (hidratação) da Cal:

a) Por fusão ordinária: colocando a Cal Viva num recipiente adequado, lança-se sobre ela uma quantidade de água suficiente para se dar a hidratação completa (quantidades a definir adiante)

b) Por imersão: colocando a Cal Viva partida em pequenos fragmentos em sacos de pano ou cesto de verga, mergulha-se o recipiente alguns segundos na agua, retirando-se quando se verifica iniciar-se o processo de efervescência, repetindo a operação algumas vezes. Em poucos minutos, a Cal fica reduzida a pó.

c) Por Extinção Espontânea: abandona-se os fragmentos de Cal Viva à acção lenta e contínua da atmosfera, em local húmido mas abrigado, pois a humidade será lentamente absorvida. Este método é claramente vantajoso, pois ao final de cerca de três meses, o produto obtido é designado por cal gorda que resulta de muito melhor qualidade do que se fosse realizado por qualquer dos dois métodos anteriores.
d) Extinção por irrigação: colocam-se os fragmentos de Cal Viva sobre estâncias (tabuleiros) de madeira e regam-se lenta e cuidadosamente com um regador. A vantagem deste método é que realiza uma reacção mais lenta do que o método a) e b), mas contrariamente ao c) é um método expedito, e o controlo da rega, tão lenta quanto o possível, permite controlar o processo de hidratação da cal. Este é o processo mais comum.
Em qualquer dos casos, a água a utilizar deve ser pura e doce, isenta de salinidades, pois caso contrário, as salinidades presentes na água aparecerão futuramente na argamassa, fazendo migrar os sais para as superfícies das construções. Após o processo de hidratação ou extinção, o resultado TEM de ser crivado em peneiro de rede metálica fina, retirando todas as pedras e impurezas resultantes, depositando o filtrado num recipiente alto, para repousar. Após o processo de repouso, que não é mais do que uma decantação, poderemos utilizar a Cal sob forma dos seus derivados.
Derivados da Cal:
A Cal comum quando hidratada (também designada como cal apagada ou extinta) na quantidade exacta de água, transforma-se em pó, que por sua vez é solúvel em cerca de 700 vezes o seu peso.
Se a água for em maior quantidade do que a estritamente necessária para completar a hidratação, forma-se uma pasta mais ou menos espessa a que se dá o nome de Leite de Cal.
Em repouso, o leite de cal sedimenta, e à superfície formar-se-á uma água límpida a que se chama Àgua de Cal, sendo que no fundo o sedimento resultante se chama Pasta de Cal.
· O Leite de Cal serve para a caiação e para a base das tintas tradicionais com base em cal e pigmento
· A Água de Cal serve para a consolidação de alvenarias, tijolos, pedras em desagregação, recolagem e consolidação de rebocos. Pode ser utilizada como àgua de amassadura1, pois acelera deveras o tempo de presa2 da argamassa de Cal.

1 Água de amassadura é a água utilizada para realizar uma argamassa, ou seja, a quantidade de água que se junta ao ligante, inerte e
(eventualmente) pigmento para formar a argamassa.
2 Presa: tempo que uma argamassa leva para endurecer

· A Pasta de Cal serve para trabalhos em estuque ou aplicação em rebocos exteriores e interiores, chamados “estanhar a Cal” o que consiste na aplicação da pasta de Cal e seu alisamento à colher de estucador, à maneira de um betume ou tapa poros, e deve ser realizado de acto imediato à aplicação da base (reboco) e no início da sua presa, para que as camadas de reboco e de estanhada se liguem de forma indivisível.
Fonte: http://www.jlu.pt/downloads/NORMA_CAL.pdf
(....) Continua em próximo post

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