Béton de site ou terre coulée
Matthieu Fuchs | 27 octobre 2020Tradução livre por ArquitecturasdeTerra do original em Francês (FR) para Português (PT)
INTRODUÇÃO
A arquitectura contemporânea entusiasma-se hoje com a construção em terra crua, redescobrindo velhas técnicas e inventando novas.
A técnica da Terra Vertida ou ‘Terre Coulée’, também chamada de 'Betão de argila', desperta atualmente muito interesse, em particular pela sua execução e cofragem muito semelhantes à do betão de cimento, e neste sentido pelo seu potencial de massificação, mas também de debate e crítica pela atual adição de cimento, promovendo a sua industrialização, ignorando a origem local dos recursos.
Matthieu Fuchs, arquitecto que implementou a técnica de terra vertida
em obras como o Groupe scolaire Paul-Bayrou à Saint-Antonin-Noble-Val
(Tarn-et-Garonne) e a casa das Associações de Manom, apresenta-nos as novidades
desta técnica com terra.
A terra vertida ou ‘Terre Coulée’ é a mais nova das muitas técnicas de utilização da terra como material de construção, ao lado das ancestrais taipa de pilão e do adobe moldado. Também chamada de betão de terra ou betão de argila, esta é sobretudo um método de execução simplificado, reproduzível e acessível a um leque alargado de empresas.
A ideia de ‘verter’ a
terra nasceu por volta de 2010 a partir de pesquisas e experimentação por
vários protagonistas do setor de construção francês e, em particular, pelos
engenheiros Martin Pointet, Bernard Schmitt, Cécile Plumier, Jean-Marie Le Tiec
de BE Terre e BE Vessière.
Utilizando uma
formulação semelhante à taipa de pilão, eles queriam torná-la líquida o
suficiente para despejá-la entre duas formas impermeáveis e
assim criar uma forma, sem compactação, como o betão de cimento convencional.
O objetivo principal
é obviamente reduzir os custos de implementação em obra para oferecer as
vantagens deste material a um maior número de pessoas: a sua inércia térmica, o
conforto higrométrico e mudança de fase/estado.
Para além disso, a
terra vertida reforça a sua legitimidade pelas respostas eco-responsáveis que
fornece a um extenso número de questões contemporâneas: a energia incorporada, a
valorização dos circuitos locais, a reutilização e desconstrução.
Recorde-se que à
escala global, a quota parte das fábricas de cimento nas emissões de gases com
efeito de estufa oscila entre os 7 e os 9%. A fabricação do cimento, que
constitui 15% da formulação do betão armado, requer uma grande quantidade de
energia para quebrar a molécula de sílica em duas. Para além das emissões
relacionadas apenas com o aquecimento, a reação química liberta uma quantidade
significativa de CO2. A isto deverá juntar-se uma grande quantidade de areia e
cascalho, a acrescer à energia necessária para produzir os aços, é então fácil
perceber a necessidade, até mesmo a urgência, de nos libertarmos da nossa
dependência construtiva deste material.
A TERRA VERTIDA
A terra vertida pode
assim ser um primeiro passo nessa direção. O ideal será no entanto utilisar um
solo que contenha naturalmente, e em proporções equilibradas areia, cascalho,
mas também argila fina. Não podemos esquecer que existem tantos terrenos
diferentes quantos são os terrenos. Caso o solo do local não seja equilibrado,
é sempre possível uma reformulação/estabilização (adição de areia, adição de
brita, etc.).
Uma vez
caracterizado o solo em depósito, diversos dispersantes, adjuvantes e sobretudo
água, até 10%, são adicionados à mistura para tornar o conjunto uma pasta viscoso
e liquidificado. Por fim, incorpora-se o cimento, numa dose muito baixa — 3% ou
5 vezes menos do que no betão convencional — para, essencialmente, garantir uma
presa/secagem + rápida e manter as estruturas unidas durante a descofragem.
Para executar esta
mistura, basta despejá-la entre duas formas estanques e expulsar as bolhas de
ar com recurso a uma agulha vibratória, técnica ao alcance de qualquer empresa
de betonagem de alvenarias de dimensão média. Para colocar tudo em compressão, são
utilizadas hastes de aço roscadas que ligam em pré-esforço a sapata de fundação
com a viga horizontal no topo da parede. Tal como acontece com a madeira e a
taipa, o ‘inimigo’ será a água, pelo que é necessário evitar os fenómenos de
ascensão capilar, salpicos ou escorrimentos superficiais.
TERRA VERSUS CIMENTO
Os exemplos
construídos mostram a eficácia desta técnica em paredes estruturais, interiores
e exteriores em edifícios de um a três pisos. Devido à ausência de reforço
interno, a resistência mecânica destas estruturas é obviamente menor do que a
de uma parede de betão armado. A sua resistência à compressão aproxima-se da de
uma parede de pedra aparelhada, ou seja, cerca de 4MPa. Para compensar essa redução
de resistência, a espessura / secção de terra é aumentada (em relação ao betão)
para atingir 30 a 35 centímetros.
Entenda-se, no
entanto, que a terra vertida não substitui o betão de cimento convencional e
considerá-lo como tal será um erro fundamental. A única pergunta a fazer-se
será: o material está a ser utilizado no contexto e lugar corretos?
O betão armado pode
e deve ser valorizado para aplicação em obras muito definidas, onde é a melhor
solução. Se for necessária uma estrutura que exija tensões significativas, devemos
tentar reduzir ao máximo o material mobilizado. O risco é que com um desempenho
equivalente, o ganho inicial obtido na redução do cimento seja quase nulo, ou
mesmo desfavorável para a solução de terra, pois as suas paredes serão mais
espessas. Por outro lado, podemos facilmente substituir o betão em estruturas
menos solicitadas.
Pense-se em
particular em paredes transversais internas ou mesmo na forma de betonilhas de
compressão ou betonilhas de aquecimento.
UM MATERIAL LOCAL
O betão argiloso
deverá ser pensado localmente e não como um produto padronizado. Como grande
parte da energia incorporada dos materiais de construção provém do seu
transporte / deslocação, é assim necessário conseguir explorar depósitos de
terra, tal como a madeira das florestas próximas, em modelos ágeis de economia
circular.
Um novo setor será
assim desenvolvido, que vai do operador da pedreira aos empreiteiros em obra,
passando pelo controlo de qualidade e a prévia definição e preparação de
aglutinantes, argamassas e outros materiais de ligação em fileiras específicas
de fábricas de cimento.
O ideal, como
referido, será obviamente utilizar sempre o solo de escavação do próprio local
da obra. De antemão, é necessário que os arquitectos e projetistas, mas também
os engenheiros e geotécnicos, aprendam a ler, analisar, entender e conhecer as
terras locais. No entanto se isso não for possível ou se a sua reformulação for
muito onerosa ou mesmo demorada, perdendo assim a sua pertinência num contexto
de obra, outras opções podem ser encontradas, como o aproveitamento de resíduos
de pedreiras não valorizáveis, como as britas, pós
de pedra e argilas finas ou o aproveitamento de terras de entulhos de um local
de terceiros localizado idealmente nas proximidades.
REGRESSO À TERRA
Hoje, esta técnica
está a tornar-se mais democrática e, graças à multiplicidade de exemplos construídos,
os obstáculos começam a ser removidos. Como qualquer técnica experimental, o
primeiro obstáculo é a ausência de D.T.U. (documento técnico unificado) e regras
profissionais, muitas vezes exigindo testes de campo e outros ATEX (avaliação
técnica de experimentação) com o C.S.T.B. (Centro Científico e Técnico da
Edificação). Também é necessário convencer os gabinetes de fiscalização e de controlo
em obra, os Donos de obra e os futuros utilizadores.
O maior problema, no
qual a pesquisa e investigação neste domínio se encontra a trabalhar atualmente,
é conseguir a total ausência de cimento na formulação da composição da parede.
Para esse objectivo, será necessário investigar também métodos inovadores de
cofragem. Como exemplos, Philippe Madec está atualmente a trabalhar em gaiolas
de juncos para a biblioteca de comunicação Jean Quarré em Paris, enquanto
Guillaume Habert na ETH Zurich está a explorar uma formulação baseada em
coagulantes naturais, com resultados entusiasmantes.
Isto alteraria
também a gestão de resíduos e a pretendida desconstrução futura das obras,
sendo estas essencialmente ‘pilhas de terra vertida’, e podemos facilmente
imaginar e encontrar a natureza original dos elementos que constroem estas obras,
desde que, claro, não sejam poluídas por cimento, o que dificultaria obviamente
a sua reciclagem, nem a presença de reforços metálicos internos.
UMA NOVA EXPRESSÃO
Por fim, a terra vertida
deverá ser entendida como uma nova expressão do material terra. A evolução da Arquitetura
deverá resultar numa cada vez maior sobriedade e credibilidade do material e uma das formas de
o conseguir é deixá-lo mostrar-se com uma matéria-prima forte e perene,
deixando ao mesmo tempo que o tempo se expresse.
Embora não tenha a imagem
única e forte das camadas sucessivas na taipa (de pilão), a terra vertida
possui também uma verdadeira plasticidade e uma ampla paleta de nuances. E tal
como acontece com o betão cimentício, o trabalho nas pranchas de cofragem, nas suas
marcas impressas pode ser explorado e valorizado, bem como as diferentes
condições de superfície, como a
granulação, o jato de areia, etc. O único limite, como acontece
frequentemente na arquitetura, é a imaginação do projectista.
Existe hoje um
verdadeiro e interessante respeito por este material terra, talvez mais do que pelos
outros. Na escola Saint-Antonin-Noble-Val, por exemplo, as crianças têm carinho genuíno e especial por estas paredes, são as “suas” paredes, porque sabem que estas obras
contribuem para o seu bem-estar. No verão, durante as horas de maior calor,
sentem mesmo necessidade de estar em contacto com elas tocando-as para sentir a frescura da sua
inércia térmica.
E perguntamos...um material com o
qual as crianças se sentem bem a brincar e a aprender, não será um material de
qualidade?
Bibliografia
Dominique
Gauzin-Müller (coor.), “Construir com terra vertida: uma revolução? », arquivo
da revista D’A, n°278, março de 2020.